Mercado de apostas online: propaganda, redes sociais e contravenção
No Brasil alguns fatos são muito curiosos: pela constituição, é vedada a comercialização de qualquer produto que seja nocivo à saúde.
O cigarro, por exemplo, com comprovados danos químicos ao cidadão, não foi proibido em sua comercialização, mas a publicidade sim. Propaganda em TVs, padarias, revistas, rádios, entre outras mídias, deixaram de faturar com as empresas de tabaco.
Assim como o cigarro, a ingestão de bebida alcoólica também faz mal à saúde. E o pior, mortes no trânsito e feminicídios acontecem de forma multiplicada por conta do uso excessivo do álcool. Ao contrário do cigarro, sua propaganda não foi proibida, apenas é acompanhada da mensagem: “proibida a venda para menores de 18 anos”.
Eis que chegam a era das Bets.
No Brasil, os jogos de azar, o jogo do bicho, bingos, caça níqueis e agora as Bets, nunca foram estruturadas da forma legal.
Porém, nos últimos dias, o governo federal emitiu uma lista onde não reconhece algumas marcas grandes de casas de apostas, como a Esportes da Sorte e BetVip, por exemplo.
O curioso, assim como o cigarro e as bebidas alcoólicas que marcaram época, dessa vez, são as Bets que estão estampando campanhas com influencers nas redes sociais e na grande mídia, além de patrocinarem a maioria dos times de futebol do país.
O brasileiro gasta cerca de R$ 23,9 bilhões com jogos e apostas online no país, segundo estudo macroeconômico realizado pelo Banco Itaú.
Até casos de uso do cartão do bolsa família para apagar apostas tem sido relatado, o que mostra um cenário delicado de claro incentivo às apostas e até vício e descontrole por parte dos cidadãos.
Também nas últimas semanas, operações deflagradas pela polícia federal têm colocado holofotes sobre empresários envolvidos com contravenção. De jogo do “Tigrinho” propagado por influencers à lavagem de dinheiro, figuras conhecidas como a advogada Deloane Bezerra e o cantor Gusttavo Lima também foram alvos das investigações.
Em um país com baixa escolarização como o nosso, sem dúvidas a propaganda – por mais artística, poética e disruptiva que seja – acaba sendo um movimento forte de incentivo, seja na ingestão de bebida alcoólica, uso de tabaco ou mesmo nas apostas.
Isso não significa que o cidadão não possa fazer suas escolhas e investir seu tempo, dinheiro em saúde no que bem entender.
Todavia, em termos de preocupação com a sociedade como um todo, no Brasil, faltam leis claras e regulações adequadas que coloquem limitação nas propagandas de determinados segmentos, e claro, que também seja rígida no controle de impostos, na análise da origem do dinheiro das mesmas e a clara regulação do mercado para que a diversão não acabe na ruína e tragédia para as famílias brasileiras.
*Antonio Gelfusa Junior é publicitário e especialista em redes sociais.
Polos EADs são as novas paleterias
Nos últimos 10 anos o número de ingressantes na modalidade EAD quadriplicou e, desde fevereiro de 2022, são mais alunos no modelo à distância em relação aos do presencial.
Essa marca estava prevista para ser atingida apenas em 2025, mas com a pandemia, o processo foi acelerado.
Temos visto uma franca expansão das unidades educacionais transformando – o que deveríamos chamar de escolas de ensino superior – em polos comerciais de educação à distância.
São muitas marcas de instituições buscando este posicionamento: Anhembi Morumbi, Cruzeiro do Sul, FMU, Estácio, entre outras.
Algumas escolas de menor porte no segmento também disputam esse share digital.
Acontece que muitos desses polos, além de não ter o preparo e infraestrutura para receber público, não contam com a presença de coordenadores pedagógicos ou professores – a tal equipe técnica – na maior parte do tempo.
Isso sem falar que o espaço de uma universidade deve oferecer ao estudante a convivência com outros colegas, interação com demais cursos, desenvolvimento político e civil, identidade de grupo, amadurecimento das relações humanas, entre outras situações que são impossíveis de acontecer – com a profundidade necessária – através de uma tela de computador.
É triste saber que estamos chamando de escola um lugar sem os itens imprescindíveis acima.
Destacadas marcas líderes do cenário educacional também adotaram um modelo híbrido (parte presencial e parte EAD). Uma forma de encaixar um percentual das aulas no formato online, reduzir fluxo de alunos, otimizar custos e escalar o potencial de vendas.
Ninguém gosta de comentar, mas os percentuais de audiência das aulas online são desastrosos.
Os alunos em boa parte das vezes não estudam e fazem avaliações copiando as respostas em uma aba paralela no Google – isso quando o fazem.
Nas especializações EAD o horizonte já é diferente. Essas sim contam com números de melhor performance – até mesmo por conta da idade e a maturidade do indivíduo matriculado.
De qualquer forma, a verdade é que esse modelo atual não consegue entregar educação de qualidade.
E quanto aos docentes neste novo cenário?
Ora, a maioria deles são alocados em condições de remuneração cada vez mais ofensivas, vendendo – numa única vez– o direito autoral de seus conteúdos para as aulas digitais que podem ser transmitidas para milhares de pessoas.
Quem lucra de verdade são as instituições é claro – que atualmente estão mais preocupadas em abrir capital na bolsa do que entregar um ensino responsável.
O Brasil sempre viveu a febre de empresas “modinha” em nosso modelo econômico volátil.
Já foi a época de ter em cada esquina hamburguerias, temakerias ou mesmo as famosas paleterias mexicanas.
Parece que chegou a vez das “EADerias”!
Devido a falta de estrutura e qualidade nos ambientes digitais e presenciais, fica muito difícil acreditar que o final desta saga será de bonança.
O mais provável é o natural definhamento que já aconteceu com outros segmentos, inclusive.
Historicamente só resistiram a esse tipo de explosão comercial empresas de trabalho sério, onde a qualidade ficou à frente da lucratividade desenfreada.
Nossa educação, que nunca foi das melhores, infelizmente deve assistir – e de camarote – um dos tempos mais tristes na formação de profissionais da história.
* Antonio Gelfusa Junior é publicitário, especialista em educação de ensino superior e professor do SEBRAE-SP.