Confira abaixo o editorial “Vendas: um trem bala de persuasão!”
Tenho o privilégio de trabalhar há 15 minutos a pé de minha casa. Muitas vezes venho de bicicleta e até caminhando com minha cachorra.
Porém, trabalhando no mercado de comunicação, e em São Paulo, é natural rodar pelos pontos mais distantes entre si em questão de dias.
Não foi diferente na semana anterior ao natal.
Fico na zona leste, mas fui atender um cliente na zona sul.
Na ocasião e horário era mais negócio ir de metrô e trem do que de carro.
Sempre vi vendedores ambulantes em torno das estações. De um tempo para cá, alguns começaram a vender dentro dos vagões.
E, nesta última passagem, notei uma grande quantidade deles.
A variedade dos produtos vendidos também chama atenção. Chocolate, fone de ouvido, bala, chiclete, capa protetora de celular, capa de RG e, por incrível que pareça, até purê de batatas!
Rápidos e persuasivos, a maioria dos ambulantes fazem sua propaganda em um vagão e depois saem para um outro com receio da denúncia ou de serem pegos pela fiscalização.
Muitos dos vendedores também contam com alguns ajudantes que fingem se interessar e comprar o produto, o que fatalmente leva outras pessoas a prestarem atenção no processo e, é claro, comprarem de fato.
Eis que um rapaz grita: “Vendo Pop Socket Cell Phone”.
Eu nem sabia o que era, do que se tratava, mas fiquei interessado pela maneira como vendia, afinal, era o quarto vendedor que entrara no vagão no percurso de seis estações.
Ele explicou de uma maneira muito clara, com uma colocação das palavras de maneira bem pontual. Até falou o nome das celebridades que foram fotografadas usando o produto – que nada mais é que um suporte para celular que promete evitar quedas do aparelho.
Seu discurso estava se estendendo quando mais uma estação chegou.
Como trata-se de uma atividade irregular, ele parou de falar enquanto as portas não fechavam novamente.
Os interessados compraram, porém, no decorrer da viagem, o rapaz retira um rádio comunicador do bolso e chama por companheiros em outros vagões avisando sobre a fiscalização que encontrariam no sentido contrário. Sim, ele estava de olho na fiscalização enquanto vendia e parecia coordenar as vendas.
Ao final disse que o preço e promoção anunciados aos passageiros só encontrariam no “Shopping Trem”!
Sei que trata-se de uma atividade não legalizada, mas a mecânica da coisa me chamou muito a atenção.
Que o brasileiro é criativo, todos sabem, entretanto, é inegável que a ação foi bem feita, com comunicação exposta, venda realizada, planejamento de entrada e saída, preocupação com concorrência e apoio aos colegas de trabalho.
Vejo hoje em dia a carência enorme de clientes que precisam de profissionais para trabalhar na área comercial com “jogo de cintura” similar.
Na verdade, algumas empresas até pagam muito bem já no início e mesmo assim não encontram pessoas com iniciativa de vendas.
Me perguntei, ao final da exposição do rapaz, se estamos procurando no lugar certo.
Quantos jogadores de futebol foram descobertos porque olheiros abriram, literalmente, seus olhos para o mundo visitando campos de várzea, futebol nos bairros, escolinhas etc?
Será que os caçadores de talentos não observaram ainda os talentosos vendedores nos transportes e espaços públicos em geral?
A necessidade de fazer o dinheiro no final do mês, principalmente de quem vive na informalidade, é intensa e sabe-se lá qual o tipo de problema que estas pessoas enfrentam em casa.
Penso que quanto mais difícil a situação, maior é a garra desta galera que vende nas ruas.
Quantas pessoas marcam a vida da gente pelo bom atendimento, educação e venda? Sem dúvidas este rapaz marcou sua passagem naquele trem.
Sem saber, ele tem hoje um artigo escrito por sua determinação.
Ele pode estar errado perante o rigor da lei, mas como vendedor está certo diante da essência da profissão e seu DNA comercial.
Afinal, o que seria das vendas se não fosse a necessidade do sustento de um indivíduo ou sua família, não é mesmo?
Antonio Gelfusa Junior é publicitário e editor-chefe das publicações impressas e online do Grupo Raiz.